É já longo o debate, quer em termos de prática pedagógica quer em termos ideológicos, em torno das motivações e objectivos das mudanças estruturais nos sistemas de ensino de todo o mundo. Os conceitos "escola nova" e "escola tradicional" têm vindo a ser estudados, sobretudo, desde o final do século XIX, a partir das obras de Preyer, Dewey e Ferrière, entre outros. No entanto, a caminhada foi longa.
Já após a formação dos colégios dos Jesuítas, desde os séculos XVII-XVIII, e fruto da Revolução Científica, o discurso racionalista se tornara o discurso educativo da Reforma e Contra-reforma. Conforme ilustra Ariès (1973, 184-5): "on s’ efforce de pénétrer la mentalité des enfants pour mieux adapter à leur niveau les méthodes d’ education". Tornar o Homem mais racional é um projecto iluminista, mas será apenas com a Educação Nova, reflexo, não só mas também, de diversas leituras de Rousseau (Candeias, 1995, 14-15) que se "desenfaixa" a criança, cuja epistemologia se tenta conhecer cada vez mais, alterando-se, igualmente, a relação professor-aluno.
Rousseau afirma em Émile: "A criança recém-nascida tem necessidade de se entender e mexer" (76). É esta mesma acção/actividade que a "Escola nova" virá defender, afastando-se das concepções tradicionalistas da educação, menos dinâmicas e libertárias. As concepções pedagógicas alteram-se e vão-se atenuando imagens como os castigos corporais presentes, por exemplo, em Manhã Submersa de Vergílio Ferreira. Surge uma nova visão da criança/aluno, sendo o experimentalismo a legitimação científica do processo ensino-aprendizagem, originando modelos como os da escola de Summerhill, em que o professor, segundo Aguayo (1970, 63) deve "estimular e dirigir discretamente o processo de aprendizagem", atenuando a competição gratuita e negativa.
Os métodos activos do professor-orientador substituem gradual e dificilmente, os métodos passivos da "educação por modelos", que, através da centralização no professor que dita, reproduz e perpetua valores vigentes e integra o aluno na sociedade de uma forma passiva. A criança passa, então, a ser o Homem livre no seio de uma escola de massas que se tornou a regra. No entanto, a nova escola relaciona-se com a vida e experiências pessoais do aluno que é levado a entender e trabalhar matérias de uma forma crítica, numa escola que se deseja cada vez mais aberta e onde a individualidade e a voz de cada um se possa fazer ouvir de uma forma diferente.
Bartolomeis (1984, 159) afirma a este respeito: "tirai à escola este carácter criador, esta atmosfera de coisas novas e interessantes (mesmo para o professor) e, em seu lugar só podereis encontrar tédio e desapontamento [...] um dever sem inspiração nem entusiasmo". Há, portanto, que envolver o aluno holisticamente sem desvirtualisar o ensino.
A motivação, a criatividade e a metacognição, quer do aluno quer do professor, as competências cognitivas e a autonomia devem ser levadas em conta na consecução do processo de ensino aprendizagem, daí a importância de repensar o papel de teorias como as de Piaget neste mesmo processo (Sprinthall s/d; Candeias, 1994, 453). É neste contexto – o conferir uma maior autonomia ao aluno - que são teorizados e estimulados dois modelos didácticos não directivos: o do ensino pela descoberta (aprendizagem construtiva) e o do ensino por exposição (aprendizagem reconstrutiva ou significativa), com o fim de se atingirem determinados objectivos ao centralizar a aula, enquanto momento de (re)descoberta, cada vez mais, no aluno. No entanto, a "educação tradicional" não é apenas "cardos" e nem tudo se apr(e)ende apenas através da descoberta ou da experiência. O professor, enquanto mediador de conhecimentos e saberes, deverá fazer uso de um know how/why que faça sentido ao aluno, sem cair num "facilitismo" que entorpece, e no qual a avaliação formativa se pode, facilmente, tornar.
Confrontando a teoria com a prática, poderemos afirmar que as mudanças conjunturais e estruturais levam o seu tempo, exigindo dos professores um posicionamento crítico e uma responsabilidade diferente perante os processos de ensino-aprendizagem e de socialização. Talvez o ideal seja a descoberta de um meio termo, cabendo ao docente fazer uso da sensibilidade e do bom-gosto para que haja flexilibilidade e oportunidade para o aluno se tornar mais responsável e consciente da sua aprendizagem. Como afirma António Candeias (1994, 475): "não são os métodos de ensino que fazem com que uma criança seja um ser activo, a criança é em si um ser activo – será a própria significação que a criança consegue conferir àquilo que ouve, consequência de uma série de factores, entre os quais se destaca a forma como o professor consegue estruturar e transmitir os conteúdos do ensino". A dicotomia "Escola Tradicional/Nova" perde, então, algum do seu sentido quando temos em consideração a teoria piagetiana de que qualquer ser vivo é inatamente activo (Candeias, 1994, 484).
Há pois que repensar a Escola, transformá-la e adaptá-la de uma forma contínua. Os dois conceitos de escola de que esta reflexão partiu podem contribuir para clarificar posições que não devem ser extremas quando se separa o trigo do joio, pois os princípios de uma didáctica activa/ecléctica são vários em qualquer estilo de ensino, pelo que o aluno ao desenvolver a sua mentalidade científica deverá ser motivado a aprender com afecto, e de uma forma o mais livre possível. É por aí que passa também a democratização do ensino e da própria Escola. A pluralidade e a diversidade devem ser constantes numa Escola Nova (Nóvoa, 1988, 9) que deve adaptar dos modelos educativos disponíveis as estratégias mais adequadas aos seus alunos, para que possa cumprir, de forma eficaz, as suas funções. Tal como as Educações Tradicional e Nova o foram a seu tempo, há que tomar atitudes cautelosas em relação aos problemas educativos e sociais dos tempos que vão mudando, tal como as vontades.
Rogério Miguel Puga
Bibliografia:
AGUAYO, A. M. (1970), Didáctica da Escola Nova, Companhia editora Nacional, São paulo.
ARIÉS, Phillipe (1973), L´enfant et la vie familiale sous l’ Ancien Régime, Éditions du Seuil, Paris.
BARTOLOMEIS, Francesco de (1984), Introdução à Didáctica da Escola Activa, Livros Horizonte, Lisboa.
CANDEIAS, António (1994), Educar de outra forma – A escola nº 1 de Lisboa 1905-1930, Instituto de Inovação educacional, Lisboa.
(1995), «Traços marcantes do movimento da Educação Nova na Europa e Estados Unidos da América», in A. candeias et alii., (eds.), Sobre a Educação nova: cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de Lemos, Educa, Lisboa, pp. 13-24.
NÓVOA, António (1988), «Inovação para o sucesso escolar», in Aprender, n. 6, Lisboa.
ROUSSEAU, Jean Jacques, Émile ou de l’ éducation, 3 vols., La Renaissance, Paris.
SPRINTHAL, N. A. e R. C. Sprinthal (s/d), Psicologia Educacional, MacGraw-Hill, Lisboa.